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Brincar


“Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.” Manoel de Barros


As Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil e a Base Nacional Curricular Comum indicam que brincar e interagir devem ser eixos de trabalho garantidos na rotina. São direitos das crianças. Que bom que seja assim, pois, aqui em nossa creche a brincadeira ocupa espaço privilegiado no planejamento das educadoras.  A elaboração do Projeto “Quintal de Brincadeiras” contribuiu para que todos os funcionários entendessem o brincar como forma de aprender, essencial para as crianças. 
Temos em nossa creche um espaço chamado “brinquedoteca”, mas, não é somente ali que as brincadeiras ocorrem, ao contrário, acontecem em todos os ambientes preparados para as brincadeiras acontecerem. Então, pode ser nas salas referências, nos pátios, nos solários, na brinquedoteca, no parque / tanque de areia, nos corredores, gramados, rampas, ateliê, quintais, todos esses espaços são constantemente transformados e organizados em ambientes de brincar e aprender.  
      Investimos em brincadeiras com materiais heurísticos porque observamos que favorecem as descobertas e criações, muito mais que os materiais industrializados, porque esses já trazem em si uma única ideia de brincar, um carrinho é um carrinho, mas, um toco de madeira pode ser um carrinho, um celular ou um sabonete, vai depender do contexto e da narrativa que a criança está desenvolvendo naquele momento. Com tecidos fazem cabanas, enfeites de cabelo, capas de super-heróis e tudo que imaginar, sem limite para a criatividade.

 
 Com os bebes as experiências e as brincadeiras também acontecem com materiais variados.  Utilizamos os “cestos dos tesouros”, ou seja, cestos com variedade de materiais com diferentes formas, texturas, cores, pesos. Esses momentos auxiliam no desenvolvimento dos sentidos, ampliam o conhecimento sobre elementos culturais e possibilitam criar e descobrir as possibilidades de cada objeto por meio dos sentidos.

A exploração de materiais heurísticos é constantemente planejada e documentada, por meio das observações das descobertas espontâneas que as crianças fazem enquanto pesquisam as possibilidades dos materiais.  Oferecemos variedade de objetos e materiais com diferentes texturas, pesos, formatos e cheiros. Utilizamos caixas de papelão, cones, tocos de madeiras, pedras, esponjas, chaves, cabaças, folhas de árvores, pinhas, colheres de aço e madeira, para nutrir a curiosidade e ampliar conhecimento.
            Com as observações das relações que ocorrem entre as crianças durante as brincadeiras é possível avaliarmos o quanto a organização dos espaços é importante para que se interessem pelas brincadeiras. A criação e imaginação são “alimentadas” com materiais diversos. As brincadeiras “lá fora” são fundamentais, pois, garantem contato direto com elementos da natureza como sol, terra, água, gramado, gravetos pedras e pequenos animais.
Acreditamos que crianças não nascem sabendo brincar, por isso, precisam ter oportunidade, espaço e tempo garantidos para aprender as brincadeiras.  Durante a brincadeira muitas aprendizagens ocorrem, pois é assim que conhecem, se apropriam, compreendem e recriam a cultura.
O brincar é livre para as crianças, mas não para os educadores, que ao contrário, desempenham o papel essencial, ampliando o repertório das crianças, ao apresentar as parlendas, as cantigas de rodas, brincadeiras que envolvem movimentos corporais, de correr, de pegar, de pular, e também oferecendo materiais, organizando espaços, ora interagindo e ora observando-as enquanto brincam.
Essas mediações foram discutidas e elaboramos algumas orientações didáticas para cada uma delas:

Organização prévia do espaço e materiais
                       
A organização do espaço propositor e a seleção de materiais revelam a concepção de criança que temos e a intencionalidade da proposta. Acreditamos na criança como ser capaz, por isso protagonista de sua aprendizagem, cuidamos para que a organização do espaço seja atraente, desperte nas crianças a vontade de brincar e interagir, favoreça a criação, imaginação e as interações espontâneas e independentes.
·                Além de acessíveis às crianças, os objetos devem ser variados e em quantidade adequada, possibilitando diversidade de ações e tipos de brincadeiras.
·                Utilizamos tecidos, caixas, sucatas diversas, tábuas, bancos, sementes, terra, água, galhos, folhas, tocos, rolos, entre outros materiais não estruturados.
·                 Levamos em consideração a textura, as cores, os cheiros, o peso e os sons que esses materiais produzem ao ser tocado pelas crianças.
·                Espaços amplos podem ser transformados com cabanas, cordas, circuitos de movimentos que possibilitam a realização de atividades em pequenos grupos e o direito de ficar sozinho.
·                As paredes não devem ser enfeitadas, ao contrário , devem ser preparadas para receber as produções das crianças, documentação pedagógica ou forradas para que ocorram criações livres de desenho.
·                Colocamos os materiais e objetos que as crianças usarão, em caixas, para a criança escolha com independência, de acordo com a sua preferência e depois devolva o material após o uso, com a orientação dos educadores.

Organização do tempo
            No planejamento da rotina, alguns fatores são importantes ao se pensar no tempo para brincar. É necessário garantir uma regularidade na disponibilidade de tempo livre para brincar ao ar livre, de forma que todas tenham oportunidade de tomar sol, enquanto brincam.
Além de planejar o brincar precisamos ter sensibilidade de acolher a brincadeira que surge espontaneamente a partir de uma situação não planejada e permitir o desenrolar da brincadeira tendo como referencia a própria criança, o seu desejo e o seu tempo interno.
Outra possibilidade é de encontro entre diferentes faixas etárias nos momentos de brincadeira, em que diferentes “zonas de desenvolvimento potencial” se formam enriquecendo as possibilidades de aprendizagem entre as crianças.

Observação: 
A observação do brincar das crianças é um instrumento fundamental para o planejamento do educador. O educador deve saber o que observar, ter uma pauta de observação e também saber interpretar aquilo que observam, levantando elementos que o ajudarão na continuação de suas propostas de brincadeira a partir dos interesses das crianças, dificuldades encontradas, competências demonstradas na brincadeira e criações.  Os desdobramentos das experiências dependerão dessas observações. 

Mediação:
A mediação se dá por meio de sugestão (e não de imposição) de novos elementos para alimentar a brincadeira, podendo ser, por meio da oferta de um novo material. Ao observar uma situação de crianças brincando de cozinhar, por exemplo, mexendo em uma panela com uma colher, o educador pode sugerir ou mostrar que podem utilizar o forno para assar, solicitar um pouco de “comida” para experimentar ou perguntar o que estão cozinhando, dessa forma provoca as crianças a pensar sobre o que está fazendo, entrando no jogo simbólico.



É preciso tomar cuidado com a forma e frequência que o educador realiza esse tipo de intervenção. O tom e a frequência exagerada das sugestões do educador no rumo da brincadeira são o mesmo que, indiretamente, dirigi-la e consequentemente descaracterizá-la como brincadeira.  O educador pode e deve brincar com a criança, de preferência quando for convidado para fazê-lo. Com esse convite a criança já delimita o papel do educador e demonstra que quer um parceiro mais experiente para brincar junto com ela. O professor deve entrar na brincadeira como coautor, que representa junto com a criança, porém, com seu modo adulto de agir. Não precisa se infantilizar para participar da brincadeira, mas deve entender a linguagem da brincadeira da criança e atuar junto com ela, representando como um adulto. Deve ser capaz de entrar no jogo infantil, sem interferir demais nos rumos da brincadeira, deixando a criança livre na escolha dos temas, na distribuição dos papéis, no controle do andamento.

Mediação de Conflitos interpessoais:
Conflitos são situações de adversidade entre as crianças que possibilitam aprendizagens sobre convivência social. Os principais fatores que desencadeiam conflitos entre as crianças são:
     Disputa por espaço.
     Disputa por brinquedo ou materiais de uso coletivo.
     Disputa pela atenção da educadora (por suas mãos, seu colo, sua resposta).            Podem ser provocados por contatos físicos: lutas, empurrões, recusas, quedas ou trombadas.
 Porque as crianças pequenas entram constantemente em conflito e não conseguem resolvê-los sem ajuda? São muitas as explicações, destacamos duas, principais, que justificam a mediação do adulto:
·                    Ainda não conseguem regular suas emoções e estão aprendendo a considerar o ponto de vista do outro,
·                    Estão construindo sentidos e significados sobre o mundo que as cerca, com muita necessidade de afirmar suas opiniões e desejos.
Conflitos são inevitáveis e, fazem parte do desenvolvimento, portanto, devemos olhar para esses momentos de forma reflexiva para promover aprendizagem. Nossas intervenções devem auxiliar a criança a aprender sobre cooperação, respeito ao outro e a si mesma aprendendo na convivência como lidar com essas situações.  As crianças aprendem a solucionar seus conflitos com parceiros mais experientes, no caso, os adultos educadores. 
  O espaço de convivência na escola possibilita que a criança aprenda a viver em sociedade, pois, implica respeitar regras, negociando com os colegas ou educadores, às vezes cedendo, esperando a vez de usar determinado brinquedo, dialogando, dividindo brinquedos e espaços.
Os momentos de cooperação quando auxiliam na organização (espaços e brinquedos), ajudam o colega ou a educadora a realizar tarefas ou quando se responsabilizam por cuidar de seus pertences pessoais são muito importantes e devem ser vivenciados durante a rotina.             
Sendo assim, não castigamos as crianças, e sim, ensinamos as crianças a conviver em grupo, com respeito. Toda intervenção causará impacto no desenvolvimento da criança, por isso, é preciso cuidar para que seja realizada de forma respeitosa, com paciência pelo adulto educador. 
 A relação de confiança que a criança sente pelo educador ou a não confiança é que vai fazer com que ela aprenda a lidar com os conflitos:
      As situações de conflitos são ricos momentos de ensino-aprendizagem. Cabe a ele buscar estratégias para auxiliar a criança a solucionar essas situações;
      Podemos diminuir a incidência de conflitos, mas nunca vamos extingui-los, pois, fazem parte do desenvolvimento humano; temos de ter autoridade, preservando o respeito e o afeto à criança;
      Crianças pequenas dependem muito mais do adulto para se relacionar com os parceiros e resolver situações conflituosas porque não diferenciam o “eu” do “meu”.
      O “ter” para elas é sinônimo de “ser”, por isso ocorrem tantos conflitos;
        Conquistar a confiança da criança, sendo exemplo, em nossas próprias atitudes;
      Valorizar as ações positivas e cuidar para que a criança que demonstra contrariedade não se torne o centro das atenções, nem que algumas sejam rotuladas (sempre ‘a culpa é dela);
      Estabelecer vínculo e parceria com a família para entendermos como é a vida da criança em casa e sensibilizar as famílias para compreender nossa forma de cuidar e educar;
      Construir regras de convivência com as crianças, retomar os combinados sempre que necessário;
      Ouvir as crianças e acolher seus sentimentos sejam de tristeza, raiva, medo, apatia, dor;
      Não esperar que a criança aja sempre da mesma maneira, considerar que estão construindo a identidade,
      Aprender a lidar com a diversidade do grupo, ou seja, não almejar um grupo com comportamento homogêneo;
      A escola deve ajudar a criança a controlar seus impulsos, tornando-os capazes de refletir sobre as consequências de seus atos;
      Evitar intervir quando as crianças ainda estão bravas ou com raiva; é indicado que o educador aguarde até se sentirem mais calmas, podendo escutar e falar;
      É preciso observar as crianças para saber o que de fato provocou o conflito;
       Precisamos cuidar da nossa postura porque as crianças reproduzem o que veem.

Fase das mordidas! Como agimos?
            Na creche as mordidas ocorrem por diversos motivos, os bebes ainda não diferenciam objetos materiais do seu corpo, do corpo seus colegas e nem do corpo das educadoras. Tudo se estende a partir de seu próprio corpo e a boca é o meio por onde conseguem conhecer o mundo.  Outro motivo que pode desencadear a mordida nessa fase, em alguns bebes e crianças pequenas, é a dentição.  Quando os dentes estão nascendo gera uma irritabilidade e os bebes precisam “morder” para aliviar o sentimento e a agonia causada pela coceira.  Nessa hora, não escolhem quem nem o que, podendo ser uma parte do corpo de alguém ou um objeto.
Já as crianças maiores disputam brinquedos, espaço, atenção dos educadores, nesses momentos de “muito querer,” a palavra não é usada, ou seja, não há tempo para pedir, a impulsividade corporal é a forma mais rápida que encontram para ter para si o que querem, então surgem as mordidas, como defesa e autoafirmação de seu querer.
As mediações dos educadores são constantes, tanto a quem foi mordido como a para quem mordeu. Quando ocorrem, educadores agem da seguinte forma:
·         Atendem de forma paciente, consolam a criança que sofre, lavando ou colocando gelo, ao mesmo tempo em que mantém a criança que mordeu próxima para que ajude a cuidar do colega e se sensibilize sobre o sofrimento causado.
               A fala do educador, tanto com os bebes como com as crianças maiores será sempre no sentido de que compreendam que esse ato provoca dor. Jamais separamos as crianças, por acreditarmos que esses momentos são de aprendizagem e a fase vai ser superada.
             Algumas estratégias podem auxiliar na diminuição da frequência das mordidas.
·         Deixar a criança que morde, com a chupeta por mais tempo (caso ela utilize);
·         Dar a criança um objeto para distrair-se;
·         Colocar-se sempre sentado próximo às brincadeiras onde as crianças estão;
·         Contar com a parceria e compreensão das famílias quando as mordidas ocorrem com muita frequência é fundamental.
·         Convidamos a família para conversarmos, após tentarmos várias estratégias e intervenções para lidar com a criança que morde constantemente. As informações sobre o dia a dia da criança em família muitas vezes revelam outras formas de agir. Por exemplo, crianças em contato com primos ou irmãos que durante brincadeira incentivam a mordida, nascimento de um irmão, entre outras situações. 
Todas essas ações pedagógicas auxiliam na prevenção, mas, sabemos que é impossível que as mordidas não ocorram, pois, são inerentes a essa faixa etária.

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